Violência contra mulheres na política na América Latina — uma ameaça constante

Por Beatriz Carvalho

A violência contra mulheres na política não é recente, apesar de ser atual. Encaixado, por vezes, como uma resposta à maior participação de pessoas que se identificam com o gênero feminino no espaço de tomada de decisão, esse tipo de violência tem afetado candidatas e eleitas nos mais diversos níveis de poder, e de forma especialmente alarmante no Sul Global, incluindo países latino-americanos. 

De acordo com a Organização das Nações Unidas (ONU), a América Latina é uma das regiões líderes na paridade de gênero em parlamentos, se considerarmos uma análise proporcional. Países como Chile, Equador e Colômbia superam, inclusive, a média de ocupação feminina. No entanto, ainda segundo a ONU e a Inter-Parliamentary Union (IPU), países latino-americanos têm um histórico marcante de violência contra mulheres políticas.

Antes de refletir sobre esse cenário, é necessário definir o que se enquadra como violência contra mulheres na política. De acordo com Mona Lena Krook e Juliana Restrepo Sanín, pesquisadoras na área, a violência contra a mulher na política é uma “agressão, coerção e intimidação contra mulheres como agentes políticos, pelo simples fato de serem mulheres.” Ainda de acordo com as autoras, essa seria uma forma de comunicar — e de forma ampla — que mulheres não pertencem ao espaço político.  

A cientista política Flávia Biroli também aborda a questão e indica que, independentemente da forma de manifestação de violência, a violência contra a mulher na política é sustentada por um sistema de dominação masculina, que transforma mulheres em alvos.  No entanto, e como Biroli pontua, é importante lembrar, também, que as mulheres não são um grupo homogêneo. Raça, classe e sexualidade são categorias que não podem ser esquecidas na análise de qualquer caso de violência. Mulheres formam um grupo social marginalizado, mas não quer dizer que tal grupo seja homogêneo, uma vez que há desigualdade entre as próprias mulheres.  Nesse sentido, mulheres não-brancas, da classe trabalhadora e LBTQIA+ passam, também, por outras violências que se somam à violência em decorrência do gênero.

A violência contra mulheres na política pode se manifestar de diversas formas. De acordo com cartilha desenvolvida pelo Núcleo de Estudos e Pesquisa sobre a Mulher (Nepem/UFMG), as manifestações violentas contra mulheres na arena política podem ser agrupadas em, pelo menos, cinco diferentes categorias: violência física, violência psicológica e moral, violência sexual, violência simbólica e, por fim, violência econômica.

Na América Latina, região marcada não apenas pela estrutura patriarcal, mas por processos colonizadores que acarretam danos a grupos vulnerabilizados até os dias de hoje, são inúmeros os casos de violência física, psicológica e simbólica, principalmente. Em 2012, na Bolívia, Juana Quispe Apaza, mulher indígena e conselheira titular no município de Acoraimes, já era perseguida e isolada há pelo menos dois anos dentro do próprio partido, até ser encontrada morta. Poucos meses depois, o país aprovou a Lei 243, que classifica assédio e violência política contra mulheres como crime.

No Brasil, antes de ser assassinada em 2018, Marielle Franco teve falas interrompidas por vereadores homens enquanto atuava em seu mandato como vereadora da cidade do Rio de Janeiro. Como política, Marielle assumia suas reivindicações como mulher negra e bissexual, nascida no Complexo da Maré. Dois anos após sua morte (que permanece sem respostas), o Instituto Marielle Franco disponibilizou uma pesquisa sobre violência política contra mulheres, entrevistando mais de 100 candidatas negras na corrida eleitoral de 2020. 

Para além de trabalhos extremamente necessários como o do Instituto Marielle Franco e outros centros de pesquisa no Brasil e na América Latina, um dos problemas centrais do debate acerca da violência contra mulheres na política é a escassez de levantamentos de dados abrangentes e específicos sobre a questão feminina, para que seja possível dimensionar o problema na região. O crescimento dessa discussão é essencial, inclusive, para que os Estados latino-americanos assumam a responsabilidade de planejar políticas e alterações legislativas que protejam mulheres políticas de forma mais efetiva. A Bolívia, mencionada anteriormente, foi a primeira da região a propor e implementar medidas para a proteção de mulheres políticas e punição de pessoas e/ou grupos que as ameaçam de alguma forma. Depois disso, alguns países, como Equador e México, também iniciaram o debate. Em abril de 2021, o Peru promulgou a Lei 31.155, que “previne e pune o assédio e violência contra mulheres na vida política”, e indica a criação de um Observatório Nacional del Acoso Político contra la Mujer. Tais iniciativas são imprescindíveis para que a existência de mulheres na política seja preservada, e para que possamos seguir um modelo verdadeiramente democrático, que não exclua representantes de grupos sociais das tomadas de decisão. 

Institucionalmente negligenciada, a atuação política feminina vem sendo perseguida e violada a passos largos — e, junto dela, qualquer esperança de aderência aos pilares que sustentam a democracia.

Referências

BIROLI, Flávia. Political violence against women in Brazil: expressions and definitions. Revista Direito e Práxis, v. 7, n. 15, p. 557-589, 2016.

BOLÍVIA. Ley contra el acoso y violencia política hacia las mujeres. 2012.

INSTITUTO MARIELLE FRANCO. A violencia política contra mulheres negras. Instituto Marielle Franco, 2020. Disponível em: https://www.violenciapolitica.org/

IPU – Inter-Parliamentary Union. Annual IPU figures reveal increasing violence against parliamentarians, especially women MPs. 2020. Disponível em: https://www.ipu.org/news/press-releases/2020-12/annual-ipu-figures-reveal-increasing-violence-against-parliamentarians-especially-women-mps

KROOK, Mona Lena; RESTREPO SANIN, Juliana. Gender and political violence in Latin America. Concepts, debates, and solutions. Política y gobierno, v. 23, n. 1, p. 127-162, 2016.

NEPEM. Violência política contra as mulheres. Núcleo de Estudos e Pesquisa sobre a Mulher (NEPEM/UFMG), 2020. Disponível em: https://abmcj.ong.br/wp-content/uploads/2020/11/CARTILHA-NEPEM-VIOLENCIA-POLITICA-CONTRA-AS-MULHERES-.pdf

ONU – Organização das Nações Unidas. Em toda a América Latina, as mulheres lutam contra a violência na política. 2019. Disponível em: http://www.onumulheres.org.br/noticias/em-toda-a-america-latina-as-mulheres-lutam-contra-a-violencia-na-politica/

________________________. Mexico joins Bolivia in efforts to stop violence against women in politics. 2021. https://www.unwomen.org/en/news/stories/2021/3/feature-mexico-joins-bolivia-in-efforts-to-stop-violence-against-women-in-politics  

PERU. Ley que previene y sanciona ela acoso contra las mujeres en la vida política. 2021. Disponível em: https://busquedas.elperuano.pe/normaslegales/ley-que-previene-y-sanciona-el-acoso-contra-las-mujeres-en-l-ley-n-31155-1941276-2/

Revisado por João Marcelo Tonetto

Deixe um comentário